
“Apelo”
Meu honrado Marechal
dirigente da nação
venho fazer-lhe um apelo:
não prendam Nara Leão.
Soube que a Guerra, por conta,
lhe quer dar uma lição.
Vai enquadrá-la – esta é forte
no artigo tal… não sei não.
A menina disse coisas
de causar extremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a revolução?
Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
mais do charme, canhão?
O pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão?
Se o General Costa e Silva,
já no meio chefão,
tem pinta de boa praça,
por que tal irritação?
Ou foi alguém que, do contra,
quis criar amolação
a Seu Artur, inventando
este caso sem razão?
Que disse a mocinha , enfim,
de inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?
Deu palpite em política
favorável a eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso de alta traição?
E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção?
Ah, Marechal, compre um disco
de Nara , tão doce, tão
meigamente brasileira
e remeta ao escalão
que no Palácio da Guerra,
estuda, de lei na mão,
o que diz uma cantora
dentro da (?) Constituição.
Ao ouvir o que ela canta
e penetra o coração,
o que é música de embalo
em meia a tanta aflição,
o Gabinete zangado,
que faz um tarantantão
denunciando Narinha
mudava de opinião.
De música precisamos,
para pegar no rojão,
para viver e sorrir
que não está mole não.
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.
Meu ilustre Marechal
dirigente da Nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.
Carlos Drummond de Andrade
Este poema lindo escrito por Drummond em 1966 em pleno Regime
Militar, “Apelo”, é uma tentativa de
protesto à prisão da cantora Nara Leão.
Quando diz: “Nara é pássaro, sabia?” lembra “Sabiá” do Chico Buarque e Tom Jobim, que é
uma das músicas lindas fruto dessa parceria que de certa forma tem esse tom
também todo (trecho):
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer